Análise do Estado Nutricional e Qualidade do Sono de Praticantes de Esportes em Geral

por Vanessa Zani Coutinho e Mírian Patrícia Castro Pereira Paixão

RESUMO

Cada vez mais se observa a preocupação das pessoas com a qualidade de vida e, devido a esse fato, a prática de esportes por não atletas vem crescendo consideravelmente. Por outro lado,  destaca-se um crescimento de doenças ligadas à obesidade, o que pode estar relacionado à qualidade do sono. Dessa forma, o objetivo do estudo foi  analisar o estado nutricional e a qualidade do sono de praticantes de esportes em geral, não atletas profissionais. Esta pesquisa se caracteriza por um estudo transversal, cujo critério estabelecido para a participação era que as os voluntários fossem adultos e praticantes de esporte. Os indivíduos responderam ao questionário on-line que avaliou seu padrão de sono através do Questionário de Pittsburg, Questionário de atividade física desempenhada e Questionário de Análise do  estado nutricional (questionário on-line de avaliação nutricional). Os dados foram apresentados a partir de estatística descritiva, na qual as variáveis categóricas foram apresentadas por meio de frequência absoluta e relativa, e as variáveis quantitativas foram expressas por média e desvio padrão. A maioria dos entrevistados era do sexo feminino, cerca de 69% da amostra, sendo que 51% apresentavam estado nutricional eutrófico. Porém, entre os indivíduos em estado de sobrepeso e obesidade, 61% declararam consumir carboidratos simples com frequência, o que desencadeou um resultado de 60% da amostra com tempo de sono considerado insuficiente. Conclui-se  que os hábitos alimentares estão diretamente ligados aos hábitos de sono e, consequentemente, ao estado nutricional dos indivíduos. Alterações no ciclo circadiano afetaram os resultados desses indivíduos. 

Palavras-chave: Sono. Estado nutricional. Higiene do sono.

 

INTRODUÇÃO

O sono é um estado natural do ser humano que já foi palco de diversas teorias. Os gregos, como os babilônios e os egípcios, entendiam os sonhos como poderosas mensagens divinas. Por isso, construíram o templo de Asclépio, em Epidauro, onde os doentes dormiam e esperavam que um sonho lhes indicasse o caminho da cura. No século 3 a.C., Aristóteles, filósofo grego, propõe que os sonhos são reflexo do estado do corpo e, por isso, podem ser utilizados pelos médicos para diagnosticar doenças. Essa teoria é encampada por Hipócrates, pai da Medicina (Oliveira e Vieira, 2018).

O ciclo diário humano, que ocorre com uma periodicidade próxima a 24 horas, é chamado de Ritmo Circadiano. Os ritmos circadianos são caracterizados pela ocorrência de processos bioquímicos, fisiológicos e comportamentais em intervalos regulares. Tais ritmos imprimem variações previsíveis, geneticamente determinadas (ritmicidade), mas podendo ser modulados por estímulos ambientais, como claro/escuro, atividade/repouso, jejum/alimentação, estação do ano e outras condições ambientais.  Resumidamente, as funções fisiológicas (secreções hormonais, temperatura do corpo, síntese de colesterol, etc.) são ritmicamente marcadas com os estímulos da natureza. Por exemplo, durante a madrugada, a temperatura do nosso corpo diminui, mas nosso corpo só sabe que é “madrugada” pela informação do ciclo ambiental claro/escuro. Ou seja, é como se o sol fosse nosso grande relógio e existissem pequenos relógios nas nossas células e todos estão sincronizados (Canuto, 2012).

Definir o sono não é tarefa simples, seja sob o ponto de vista fisiológico, seja com base na descrição comportamental do indivíduo que dorme. O ser humano é uma espécie de hábitos diurnos, adaptada para exercer suas atividades na fase clara do ciclo claro/escuro e repousar na fase escura. […] O desenvolvimento de nosso sistema visual e nossa dependência da informação luminosa nos caracterizam como espécie diurna. O período principal de sono na nossa espécie situa-se, portanto, na fase escura. Esse sistema que controla os comportamentos relacionados ao sono é complexo e conta com diversos elementos, sendo comparado a uma orquestra. O centro que rege o concerto da cronobiologia dos mamíferos é o núcleo supraquiasmático (NSQ) do hipotálamo. […] Por exemplo, os principais hormônios envolvidos no metabolismo dos alimentos têm seu pico de secreção entre 8 e 12 horas, por isso realizar grandes refeições fora desse horário trará prejuízos à saúde. Outro exemplo é o hormônio melatonina, responsável pelo adormecer, sua secreção começa às 21h, tornando esse horário ideal para dormirmos; isso explica por que o sono realizado durante o dia não é reparador. Toda essa sequência de momentos metabólicos promove o chamado ciclo circadiano.  (Martinez, Lenz e Barreto, 2008). 

A diminuição do tempo de sono altera a leptina e desencadeia um sinal no balanço energético, ou seja, na saciedade, quando as necessidades calóricas são alcançadas. A leptina em circulação é causada devido às mudanças no balanço energético, resultado do aumento ou da diminuição de ingestão calórica; o jejum ou a perda de massa corporal ocasionam baixos níveis de leptina no sangue. A grelina é aumentada nos períodos de jejum, ocasionando a sensação de fome, a motilidade gastrointestinal e promovendo a deposição de gordura. Altos níveis desse hormônio pela manhã estão relacionados à curta duração do sono (Paris e colaboradores, 2013).

Aderência rigorosa ao horário desejado do período de sono, com preenchimento do horário de vigília por atividades físicas e sociais pode corrigir o transtorno. Luz intensa aplicada no horário desejado de levantar, por 1 ou 2 horas, oferece um sincronizador para os relógios biológicos. Melatonina na dose de 3 mg ao entardecer foi útil para crianças com déficit psicomotor grave, mas não teve utilidade em idosos com Alzheimer (Martinez, Lenz e Barreto, 2008).

As células de mamíferos possuem um relógio molecular interno que consiste em ciclos de retroalimentação transregional e/ou translacional. No nível fisiológico, os relógios circadianos impulsionam o metabolismo do corpo inteiro. Em nível molecular, os ritmos circadianos autônomos de células são produzidos pela atividade dos ativadores transcricionais CLOCK e BMAL1 e seus genes-alvo, que formam um complexo repressor que interage com o CLOCK e o BMAL1 para inibir a atividade transcricional. O ciclo de feedback da célula autônoma é altamente regulado por vários fatores, incluindo a atividade do relógio mestre localizado no núcleo superquiasâmico hipotalâmico (SCN). A interrupção da CLOCK principal pode desregular o metabolismo do músculo esquelético e alterar a maneira como um indivíduo responde ao exercício (Gabriel e Zierath, 2019).

A atividade física modula o relógio molecular no músculo esquelético, afetando tanto a amplitude quanto a fase dos ritmos circadianos. A resposta transcriptômica circadiana do músculo esquelético se agrupa em torno do ponto médio da fase ativa em camundongos. Além disso, um estudo do músculo esquelético desnervado em modelos de roedores demonstrou que a remoção da ativação do neurônio motor desregula de maneira significativa a atividade transcricional circadiana. Em humanos, o exercício resistido de uma perna alterou a expressão gênica circadiana e aparentemente induziu uma mudança de fase dos genes do relógio principal quando comparada à perna contralateral de controle. Os genes-alvo do HIF1α também têm uma resposta temporalmente dependente ao exercício extenuante ao longo de um ciclo circadiano em camundongos. Esses dados sustentam a afirmação de que o mecanismo da CLOCK principal regula parcialmente a resposta transcricional ao exercício (Gabriel e Zierath, 2019).

Pesquisas de sono documentaram a atividade física regular como uma variável associada à melhoria da qualidade geral do sono. Pensa-se que vários mecanismos medem esse efeito, incluindo a regulação de feedback negativo da temperatura corporal após o exercício. Além disso, perturbações metabólicas induzidas pelo exercício podem regular os sistemas de neurotransmissores. Por exemplo, exercícios de alta intensidade aumentaram as concentrações plasmáticas da molécula promotora do sono adenosina em ratos. Em humanos, exercício agudo demonstrado de forma consistente pode aumentar a qualidade do sono, antes do final da noite (antes das 22h); no entanto, o exercício realizado pouco antes de ir para a cama pode induzir uma resposta ao estresse que atenua essa melhora e pode até prejudicar a qualidade do sono (Gabriel e Zierath, 2019).

A maioria dos estudos que avaliam o treinamento de alta intensidade ou força informa que o desempenho do exercício aumenta à tarde e à noite em comparação com o início da manhã. Vários fatores podem influenciar esse achado, incluindo regulação neuromuscular, termorregulação circadiana, metabolismo hormonal, estado nutricional, a CLOCK molecular do músculo esquelético, entre outros. (Gabriel e Zierath, 2019).

Por outro lado, a relação do excesso de peso com a prática insuficiente de atividade física também parece afetar a qualidade do sono. Em um estudo longitudinal realizado na China, foi verificado, em uma amostra de 1.124 adultos, que a prática de atividade física caracterizou-se como um fator de prevenção contra distúrbios do sono (Zuo e colaboradores, 2012). 

Por outro lado, a prática insuficiente de atividade física não se manteve associada ao desfecho após a inserção do excesso de peso (sobrepeso e obesidade), evidenciando que esse possível efeito protetor da atividade física, aparentemente, seja pelo menor IMC do sujeito, ou seja, pessoas mais ativas apresentam melhor qualidade do sono por possuírem menores valores de adiposidade (Zanuto e colaboradores, 2015).

Mudanças na ingestão alimentar podem levar a um atraso na regulação metabólica. Os ritmos circadianos do ciclo sono-vigília, hormônios, apetite e estresse podem estar relacionados a transtornos alimentares, alterando os níveis e a liberação ao longo do dia de componentes responsáveis pelo controle da ingestão alimentar que, consequentemente, promovem alteração do padrão alimentar (Goel e colaboradores, 2014).

Em um estudo com 496 adultos jovens de 27 a 40 anos, foram encontradas associações entre o período reduzido de sono e a obesidade na população estudada aos 27, 29 e 34 anos. Entretanto, não houve associações nos indivíduos de 40 anos. As associações prosseguiram com as variáveis antropométricas e socioeconômicas, como massa corporal, atividade física, história familiar, entre outros. A relação entre duração do sono e obesidade foi minimizada após os 34 anos, quando foram encontradas taxas de ganho de massa corporal negativamente relacionadas com a mudança na duração do sono. De acordo com o IMC, o presente estudo apresentou, no turno da manhã, estado nutricional de eutrofia (58,3% manhã vs. 42,8% noite), seguido de sobrepeso (29,1% manhã vs. 38% noite) (Hasler e colaboradores, 2004).

Alimentação adequada é, sem dúvidas, um dos fatores que pode otimizar o desempenho atlético. Isso certifica a importância de que a alimentação do atleta seja planejada de forma equilibrada, com objetivo de diminuir a fadiga, além de aumentar a resistência para o treino por maior tempo e, ainda, haver uma recuperação mais rápida e eficaz no pós-treino. […] Pode ainda potencializar os depósitos de energia para a competição, reduzir possíveis enfermidades já que prejudicam nos períodos de treino, melhorar o condicionamento e a saúde em geral (Hirschbruch e Carvalho, 2008).

A relação entre a alimentação e o ciclo circadiano é um dos assuntos investigados neste trabalho. Existem várias ligações com aumento de apetite, mudanças hormonais, interações hipofisáreas, porém queremos observar na prática o que há de realmente efetivo neste assunto. Normalmente, a duração do sono é positivamente associada ao consumo de proteínas e negativamente associada ao consumo de carboidratos. Estudos mostram que mulheres que dormem menos que 6 horas por dia são mais obesas do que mulheres que dormem mais de 6 horas por dia. Essa obesidade está ligada à quantidade de sono? Ou foi apenas uma coincidência? 

Um estudo publicado pela European Journal of Clinical Nutrition (Mcneil e colaboradores, 2013) fez a seguinte análise: dividiu a amostra entre indivíduos que dormem pouco (menos de 7 horas por noite) – short sleepers –, e indivíduos que dormem normal (mais de 7 horas por noite) – adequate sleepers. O coeficiente de saciedade dos adequate sleepers é menor do que o coeficiente de saciedade dos short sleepers. Ao comparar o coeficiente de saciedade, verificou-se que os indivíduos com menos de 7 horas de sono tinham os índices menores do que os indivíduos de sono adequado. Quando se comparou a qualidade desse sono e os resultados de saciedade, os indivíduos com o sono mais bem avaliado tinham maior coeficiente de saciedade também, porém com uma discrepância menor. Pode-se analisar que os indivíduos que dormem menos de 7 horas por noite apresentam menor saciedade. Dessa forma, é necessário investigar o quanto a quantidade de sono poderá impactar na composição corporal do indivíduo.

Existem diversas formas para análise da qualidade do sono de um indivíduo. Desde avaliações objetivas, com o auxílio de aparelhos específicos, até a análise subjetiva. Uma das ferramentas utilizadas é o Pittsburgh Sleep Quality Index (PSQI), que se refere à qualidade do sono no último mês, fornecendo um índice de gravidade e natureza do transtorno (Bertolazi, 2008). 

O PSQI foi elaborado em 1989, por Buysse DJ. Tem como objetivo fornecer uma medida de qualidade de sono padronizada, fácil de ser respondida e interpretada, que discrimine os pacientes entre “bons dormidores” e “maus dormidores” e, além disso, que seja clinicamente útil na avaliação de vários transtornos do sono que podem afetar a qualidade do sono. Desde sua elaboração, o PSQI tem sido amplamente utilizado para medir a qualidade de sono em diferentes grupos de pacientes, como, por exemplo, pacientes de transplantes, pacientes renais e atletas em geral (Bertolazi, 2008).

Estímulos externos, como a alimentação, a falta de atividade física e o uso excessivo de televisão ou computadores, são fatores que podem provocar alterações nos ritmos de sono. Essas alterações vêm atingindo pessoas de faixa etária muito precoce, fazendo com que crianças de diferentes idades enfrentem consequências que vão desde o baixo rendimento escolar até o comprometimento da saúde física e mental (Barbosa, 2014). 

Dessa forma, o presente estudo teve o objetivo de correlacionar a qualidade do sono com estado nutricional e hábitos alimentares de esportistas. 

 

METODOLOGIA

Desenho do Estudo

Trata-se de uma pesquisa transversal, descritiva e constituída de amostra por conveniência por meio de  questionário digital. A amostra contemplou indivíduos entre 20 e 60 anos, praticantes de esportes com regularidade de treinos, com pelo menos 3 meses de treino. Foram avaliadas 100 pessoas,  das quais 30 receberam a visita da pesquisadora para avaliação antropométrica.

 

Critérios de Inclusão e Exclusão

Inclusão: Os voluntários deveriam se enquadrar nas categorias a seguir: 1) idade entre 20 e 60 anos, 2) indivíduos ativos praticantes de alguma atividade física regular.

Exclusão: Foram excluídos voluntários que não preencheram por completo os questionários aplicados e/ou preencheram de maneira incorreta.

 

Aspectos Éticos

O projeto foi encaminhado à plataforma Brasil sob o número do CAAE 29953720.4.0000.5068, conforme a Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde (CNS). Além disso, o mesmo foi submetido à Comissão de Ética da UNISALES – Faculdade Católica Salesiana. Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), com todas as descrições da pesquisa realizada, organizado de acordo com as normas e critérios institucionais. Utilizou-se o Google Forms para análise estatística dos dados.

 

MATERIAIS E MÉTODOS

 

Avaliação Nutricional

O formulário on-line continha perguntas do Questionário de Avaliação Nutricional do Guia Alimentar do Ministério da Saúde. O questionário contemplava o consumo de alimentos in natura, processados e ultraprocessados, assim como frequência de consumo, consumo de gorduras e, ainda, principais refeições dos respondentes. Para cada questão havia pelo menos 4 opções de respostas, e o indivíduo optava por uma delas; algumas perguntas eram de resposta aberta.

O questionário solicitava dados como sexo, peso, altura, idade, sendo calculado o IMC a partir da informação de peso e altura e classificado conforme ponto de corte do Quadro 1.

Quadro 1 – Ponto de corte para classificação de IMC em adultos

Baixo peso

< 18,5

Peso adequado

≥ 18,5 e < 25

Sobrepeso

≥ 25 e < 30

Obesidade

≥ 30

Fonte: (Brasil, 2017).

 

Por meio da avaliação antropométrica foi medida a circunferência de cintura, cujo parâmetro deve ser classificado conforme ponto de corte do Quadro 2.

 

Quadro 2 – Classificação do risco de doença cardiovascular a partir da circunferência de cintura

RISCO DE DCV HOMENS (CM) MULHERES (CM)
Sem risco < 94 < 80
Risco ≥ 94 ≥ 80
Risco Muito Alto ≥ 102 ≥ 88

Fonte: (OMS, 1998).

 

Questionário de Avaliação da Qualidade do Sono

Para avaliação da qualidade do sono foi utilizado o questionário da Escala de Pittsburgh, com perguntas relacionadas à quantidade de horas de sono, hora que o indivíduo dorme e acorda, frequência com que acorda durante a noite, motivos de acordar, entre outras perguntas. Para cada questão havia pelo menos 4 opções de respostas, e o indivíduo optava por uma delas.

 

Avaliação do Consumo Alimentar

O formulário on-line contava com perguntas fechadas e abertas, adaptadas do Guia Alimentar do Ministério da Saúde (Brasil, 2013). A pesquisa ocorreu entre os dias 31 de março a 30 de abril de 2020. O questionário abordou sexo, idade, esporte praticado e frequência, tempo de sono, qualidade de sono, uso de medicação para dormir, informações nutricionais. Do universo de 100 atletas, 30 deles receberam a visita da pesquisadora para registro dos dados antropométricos, como peso, altura, IMC, circunferência de cintura e percentual de gordura.

 

ANÁLISE ESTATÍSTICA

Os programas IBM SPSS Statistics version 24 e o STATA versão 14.0 foram utilizados nas análises. A descrição dos dados foi apresentada na forma de frequência observada, porcentagem, valores mínimo e máximo, mediana, média e desvio padrão. O teste do qui-quadrado foi utilizado nas associações dos fatores categóricos com o desfecho (quantas horas de sono). E quando este não teve atendidas as suas premissas, utilizou-se o teste Exato de Fisher. A ANOVA para medidas independentes comparou as médias dos fatores contínuos entre o desfecho.

A regressão ordinal múltipla com método de seleção de variáveis de Backward associou os fatores com o desfecho e também com a variável “despertou no meio da noite ou madrugada”.

A regressão linear múltipla com método de seleção de variáveis de Backward associou os fatores com a circunferência da cintura e a porcentagem de gordura.

O nível alfa de significância utilizado em todas as análises foi de 5%.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Este estudo foi composto por 64,89% mulheres e 35,11% homens, sendo que 51,06% dos atletas apresentavam-se eutróficos. Em relação à faixa etária, constatou-se que 42,55% estão entre 21 a 30 anos, e 63,83% treinam entre 3 a 5 vezes por semana (Tabela 1).

 

Tabela 1: Descrição do instrumento de pesquisa

  N %
Sexo Feminino 61 64,89
Masculino 33 35,11
Classificação do IMC Magreza 1 1,06
Eutrofia 48 51,06
Sobrepeso 33 35,11
Obeso 12 12,77
Faixa etária Até 20 anos 7 7,45
21 a 30 anos 40 42,55
31 a 40 anos 34 36,17
41 anos ou mais 13 13,83
Quantas vezes você treina por semana? Não vou toda semana 5 5,32
Menos de 2 vezes 4 4,26
Entre 3 e 5 vezes 60 63,83
Mais de 5 vezes 25 26,60
Fonte: Elaboração própria.

 

61,29% consomem 2 colheres ou mais de sopa de arroz, milho e outros cereais (inclusive matinais) por dia. 47,31% consomem 1 ou menos copos de leite ou pedaços/fatias/ porções de leite e seus derivados por dia. 35,48% raramente ou nunca consomem doces de qualquer tipo, bolos recheados com cobertura, biscoitos doces, refrigerantes e sucos industrializados diariamente (Tabela 2).

 

Tabela 2: Hábitos Alimentares

  n %
Qual é, em média, a quantidade que você come algum dos seguintes alimentos: arroz, milho e outros cereais (inclusive matinais): Não consome 3 3,23
Consumo menos de 5 vezes por semana 17 18,28
1 colher de sopa ou menos por dia 16 17,20
2 ou mais colheres de sopa por dia 57 61,29
Qual é, em média, a quantidade de leite e seus derivados (iogurtes, bebidas lácteas, coalhada, requeijão, queijos e outros) que você come por dia? Pense na quantidade usual que você consome: pedaço, fatia ou porções em colheres de sopa ou copo grande (tamanho do copo de requeijão) ou xícara grande, quando for o caso. Não consumo leite, nem derivados 3 3,23
1 ou menos copos de leite ou pedaços/fatias/ porções 44 47,31
2 copos de leite ou pedaços/fatias/porções 27 29,03
3 ou mais copos de leite ou pedaços/fatias/ porções 19 20,43
Pense nos seguintes alimentos: doces de qualquer tipo, bolos recheados com cobertura, biscoitos doces, refrigerantes e sucos industrializados. Você costuma comer qualquer um deles com que frequência? Raramente ou nunca 33 35,48
Menos de 2 vezes por semana 32 34,41
De 2 a 3 vezes por semana 21 22,58
De 4 a 5 vezes por semana 4 4,30
Todos os dias 3 3,23
Fonte: Elaboração própria.

Constatou-se que 33,33% despertaram ou acordaram uma ou duas vezes por semana. A média de refeições diárias foi de 4,3 (±DP 0,8). O peso médio foi de 72,9 kg (±DP 16,2 kg). A altura média foi de 1,68 m (±DP 0,09 m). A média da circunferência da cintura foi de 78,1 cm (±DP 17,7 cm) e a média da porcentagem de gordura foi de 26,3 % (±DP 9,2 %) (Tabela 3).

 

Tabela 3: Hábitos de Treino, Qualidade de Sono e Parâmetros Antropométricos

  n %
Durante o mês passado, quantas horas de sono realmente você teve à noite? (isto pode ser diferente do número de horas que você permaneceu na cama). Insuficiente 26 27,66
Aceitável 32 34,04
Suficiente 36 38,30
Durante o mês passado, despertou no meio da noite ou de madrugada? Nunca no mês passado 21 22,58
Menos de 1 vez por semana 24 25,81
1 ou 2 vezes por semana 31 33,33
3 vezes ou mais por semana 17 18,28
Mínimo – Máximo Mediana Média (±DP)
Quantas refeições diárias? (n) 2,0 – 6,0 4,0 4,3 (0,8)
Qual é o seu peso? (kg) 46,0 – 125,0 73,0 72,9 (16,2)
Qual é a sua altura? (m) 1,52 – 1,91 1,67 1,68 (0,09)
Circunferência de cintura (cm) 10,0 – 124,0 77,0 78,1 (17,7)
Gordura (%) 13,0 – 56,5 24,8 26,3 (9,2)

Fonte: Elaboração própria

 

Em condições normais, um indivíduo inicia o sono noturno pelo estágio I do sono não REM (NREM), após um tempo de latência aproximada de 10 minutos. […] Após uns poucos minutos em sono I, há o aprofundamento para o sono II, em que se torna mais difícil o despertar do indivíduo. Após 30 a 60 minutos, instala-se o sono de ondas lentas, respectivamente, os estágios III e IV, com interpenetrações de ambos no decorrer desta etapa mais profunda do sono NREM. Passados aproximadamente 90 minutos, acontece o primeiro sono REM, que costuma ter curta duração no início da noite (5 a 10 minutos), completando-se o primeiro ciclo NREM-REM do sono noturno. A saída do sono REM pode-se fazer com intrusão de microdespertares (3 a 15 segundos de duração), sem um despertar completo do paciente, mudando-se para o estágio I e, em seguida, o estágio II do sono NREM, ou passando diretamente para este último estágio e, em seguida, aprofundando-se novamente nos estágios III e IV. Dessa forma, cumprem-se cerca de 5 a 6 ciclos de sono NREM-REM, durante uma noite de 8 horas de sono (Fernandes, 2006). Assim, classificamos indivíduos com mais de 8 horas de sono como Suficiente, entre 7 e 8 horas de sono como Aceitável e abaixo de 7 horas como Insuficiente, conforme a Figura 1. 

 

         Figura 1: Classificação de Horas de Sono 

 Fonte: Elaboração própria.

O Estado Nutricional dos indivíduos entrevistados apresentou a classificação de 51,06% da amostra como eutróficos, porém 47,88% apresentaram-se em estado de Sobrepeso e Obesidade, quando analisados por meio do IMC (Figura 2).

 

 Figura 2: Descrição da classificação do IMC

 Fonte: Elaboração própria.

 

Houve associação significativa (p<0,050) entre a classificação da quantidade de horas de sono no mês passado e a quantidade média que come algum dos seguintes alimentos: arroz, milho e outros cereais (inclusive matinais). Assim, é perceptível que quem relatou ter dormido uma quantidade suficiente tende a ter maior prevalência de consumo de 2 ou mais colheres de sopa dos alimentos descritos (72,22%), quando comparados aos que relataram sono insuficiente (60,00%) e aceitável (50,00%) (Tabela 4).

 

Tabela 4: Associação da classificação da quantidade de horas de sono no mês passado e as variáveis categóricas

  Durante o mês passado, quantas horas de sono realmente você teve à noite? (isto pode ser diferente do número de horas que você permaneceu na cama). Valor p*
Insuficiente Aceitável Suficiente
n % n % n %
Sexo Feminino 18 69,23 22 68,75 21 58,33 0,586
Masculino 8 30,77 10 31,25 15 41,67
Classificação do IMC Magreza/Eutrofia 11 42,31 19 59,38 19 52,78 0,440
Sobrepeso 9 34,62 10 31,25 14 38,89
Obeso 6 23,08 3 9,38 3 8,33
Faixa etária Até 20 anos 1 3,85 3 9,38 3 8,33 0,318
21 a 30 anos 9 34,62 12 37,50 19 52,78
31 a 40 anos 9 34,62 13 40,63 12 33,33
41 anos ou mais 7 26,92 4 12,50 2 5,56
Qual é, em média, a quantidade que você come algum dos seguintes alimentos: arroz, milho e outros cereais (inclusive matinais): Não consome 2 8,00 1 3,13 0 0,00 0,049
Consumo menos de 5 vezes por semana 5 20,00 8 25,00 4 11,11
1 colher de sopa ou menos por dia 3 12,00 7 21,88 6 16,67
2 ou mais colheres de sopa por dia 15 60,00 16 50,00 26 72,22
Qual é, em média, a quantidade de leite e seus derivados (iogurtes, bebidas lácteas, coalhada, requeijão, queijos e outros) que você come por dia? Pense na quantidade usual que você consome: pedaço, fatia ou porções em colheres de sopa ou copo grande (tamanho do copo de requeijão) ou xícara grande, quando for o caso. Não consumo leite, nem derivados 1 4,00 2 6,25 0 0,00 0,230
1 ou menos copos de leite ou pedaços/fatias/ porções 12 48,00 10 31,25 22 61,11
2 copos de leite ou pedaços/fatias/porções 8 32,00 14 43,75 5 13,89
3 ou mais copos de leite ou pedaços/fatias/ porções 4 16,00 6 18,75 9 25,00
Pense nos seguintes alimentos: doces de qualquer tipo, bolos recheados com cobertura, biscoitos doces, refrigerantes e sucos industrializados. Você costuma comer qualquer um deles com que frequência? Raramente ou nunca 13 52,00 12 37,50 8 22,22 0,202
Menos de 2 vezes por semana 5 20,00 12 37,50 15 41,67
De 2 a 3 vezes por semana 5 20,00 7 21,88 9 25,00
De 4 a 5 vezes por semana 2 8,00 0 0,00 2 5,56
Todos os dias 0 0,00 1 3,13 2 5,56
Quantas vezes você treina por semana? Entre 3 e 5 vezes 15 57,69 19 59,38 26 72,22 0,317
Mais de 5 vezes 6 23,08 11 34,38 8 22,22
Menos de 2 vezes 2 7,69 0 0,00 2 5,56
Não vou toda semana 3 11,54 2 6,25 0 0,00
Durante o mês passado, despertou no meio da noite ou de madrugada? Nunca no mês passado 6 24,00 7 21,88 8 22,22 0,530
Menos de 1 vez por semana 4 16,00 7 21,88 13 36,11
1 ou 2 vezes por semana 8 32,00 12 37,50 11 30,56
3 vezes ou mais por semana 7 28,00 6 18,75 4 11,11
(*) Teste do qui-quadrado de Pearson ou Exato de Fisher; Significativo se p <0,050.

Fonte: Elaboração própria.

 

A circunferência da cintura e a porcentagem de gordura apresentaram diferença significativa com a classificação da quantidade de horas dormidas no mês passado. Portanto, quem relatou ter sono insuficiente (84,0 cm; ±DP 9,6 cm) ou aceitável (83,4 cm; ±DP 17,5 cm) apresentou maiores médias de circunferência da cintura do que quem relatou sono suficiente (67,2 cm; ±DP 20,4 cm). Quem relatou ter tido sono insuficiente obteve maior média de porcentagem de gordura (31,9 %; ±DP 10,7 %) do que aqueles com sono aceitável (23,4 %; ±DP 7,2 %) e suficiente (21,9 %; ±DP 4,4 %) (Tabela 5).

 

Tabela 5: Associação da classificação da quantidade de horas de sono no mês passado e as variáveis contínuas

  Durante o mês passado, quantas horas de sono realmente você teve à noite? (isto pode ser diferente do número de horas que você permaneceu na cama). Valor p*
Insuficiente Aceitável Suficiente
Mediana Média Desvio padrão Mediana Média Desvio padrão Mediana Média Desvio padrão
Quantas refeições diárias? (n) 4,0 4,4 0,9 4,0 4,4 0,6 4,0 4,1 0,9 0,293
Circunferência de cintura (cm) 85,3 84,0b 9,6 76,0 83,4b 17,5 70,0 67,2a 20,4 0,020
Gordura (%) 30,2 31,9b 10,7 23,6 23,4a 7,2 22,0 21,9a 4,4 0,013

(*) ANOVA para medidas independentes; ab – Letras diferentes indicam diferenças entre as médias (teste de comparações múltiplas de Tukey); Significativo se p <0,050.

Fonte: Elaboração própria.

 

A quantidade de treinos por semana apresentou relação com o despertar ou acordar de madrugada no mês passado. Quem treina mais de 5 vezes por semana tem 84,8% menos chances de apresentar uma frequência mais alta de despertamento no meio da noite ou madrugada em comparação a quem não treina toda semana (Tabela 6).

 

Tabela 6: Associação do despertamento de sono no meio da noite ou madrugada com a classificação do IMC e a quantidade de treinos semanais

Variável dependente – Durante o mês passado, despertou no meio da noite ou de madrugada? Valor p* OR Intervalo de confiança de 95% para OR
Limite inferior Limite superior
Classificação do IMC Magreza/Eutrofia 0,749 0,829 0,262 2,623
Sobrepeso 0,621 0,738 0,221 2,463
Obeso 1
Quantas vezes você treina por semana? Não vou toda semana 1
Menos de 2 vezes 0,896 0,835 0,056 12,431
Entre 3 e 5 vezes 0,053 0,176 0,030 1,025
Mais de 5 vezes 0,047 0,152 0,024 0,977

(*) Regressão ordinal múltipla com método de seleção de variáveis Backward; OR – Odds Ratio; (1) Categoria de referência; Significativo se p <0,050.

Variáveis incluídas no modelo inicial – classificação do IMC, quantas vezes você treina por semana e circunferência da cintura.

Fonte: Elaboração própria.

 

A circunferência da cintura e a faixa etária apresentaram estar associadas com o desfecho. Portanto, a cada aumento de 1 cm na circunferência da cintura reduzem as chances de uma pessoa ter um sono aceitável ou suficiente em 59,0%. Um atleta na faixa de 31 a 40 anos tem 11,8 vezes mais chances de ter um melhor sono que um atleta com 41 ou mais anos (Tabela 7).

 

Tabela 7: Associação da classificação das horas de sono que teve à noite no mês passado com a Circunferêcia da Cintura e a faixa etária

Variável dependente – Horas de sono que teve à noite Valor p* OR Intervalo de confiança de 95% para OR
Limite inferior Limite superior
Circunferência de cintura (cm) 0,019 0,941 0,894 0,990
Faixa etária Até 20 anos 0,430 4,655 0,102 212,325
21 a 30 anos 0,257 3,143 0,433 22,810
31 a 40 anos 0,011 11,776 1,750 79,248
41 anos ou mais 1

(*) Regressão ordinal múltipla com método de seleção de variáveis Backward; OR – Odds Ratio; (1) Categoria de referência; Significativo se p <0,050.

Variáveis incluídas no modelo inicial – Quantas refeições diárias; Sexo; Classificação do IMC; Faixa etária; Quantas vezes treina por semana; Circunferência da cintura; Porcentagem de gordura; Qual é, em média, a quantidade que você come algum dos seguintes alimentos: arroz, milho e outros cereais (inclusive matinais); Qual é, em média, a quantidade de leite e seus derivados (iogurtes, bebidas lácteas, coalhada, requeijão, queijos e outros) que você come por dia? Pense na quantidade usual que você consome: pedaço, fatia ou porções em colheres de sopa ou copo grande (tamanho do copo de requeijão) ou xicara grande, quando for o caso; pense nos seguintes alimentos: doces de qualquer tipo, bolos recheados com cobertura, biscoitos doces, refrigerantes e sucos industrializados. Você costuma comer qualquer um deles com que frequência e Durante o mês passado, despertou no meio da noite ou de madrugada?

Fonte: Elaboração própria.

 

Não houve associação da circunferência da cintura com a classificação da quantidade de treinos semanais e a quantidade de sono no mês passado. Assim, a quantidade de treinos semanais e a quantidade de sono no mês passado não aumentam e nem reduzem em média a circunferência da cintura (Tabela 8).

 

Tabela 8: Associação da Circunferência da Cintura com a quantidade de treinos semanais e a classificação das horas de sono que teve à noite no mês passado

Variável dependente – Circunferência da cintura B Erro Padrão t Valor p* Intervalo de confiança de 95% para B
Limite inferior Limite superior
Quantas vezes você treina por semana? Não vou toda semana 0
Menos de 2 vezes -13,693 14,208 -0,964 0,342 -42,634 15,248
Entre 3 e 5 vezes 7,823 10,464 0,748 0,460 -13,491 29,136
Mais de 5 vezes 3,436 11,054 0,311 0,758 -19,081 25,952
Durante o mês passado, quantas horas de sono realmente você teve à noite? (isto pode ser diferente do número de horas que você permaneceu na cama). Insuficiente 0
Aceitável 3,080 6,721 0,458 0,650 -10,610 16,770
Suficiente -11,130 6,554 -1,698 0,099 -24,481 2,221

B – Coeficiente; t – Estatística de teste; (*) Regressão linear múltipla com método de seleção de variáveis Backward; 0 – Categoria de referência; Significativo se p < 0,050.

Fonte: Elaboração própria.

 

A quantidade de treinos semanais e a classificação das quantidades de horas de sono foram significativas com a porcentagem de gordura. Um atleta que treina mais de 5 vezes por semana reduz a porcentagem de gordura em 19,3% em média em comparação a um atleta que não treina toda semana. Quem tem o sono suficiente reduz a porcentagem de gordura em 7,1% em relação a quem tem o sono insuficiente (Tabela 9).

 

Tabela 9: Associação da porcentagem de gordura com a quantidade de treinos semanais e a classificação das horas de sono que teve à noite no mês passado

Variável dependente – Porcentagem de gordura B Erro Padrão t Valor p* Intervalo de confiança de 95% para B
Limite inferior Limite superior
Quantas vezes você treina por semana? Não vou toda semana 0
Menos de 2 vezes -9,731 9,626 -1,011 0,321 -29,482 10,020
Entre 3 e 5 vezes -10,568 8,123 -1,301 0,204 -27,234 6,099
Mais de 5 vezes -19,309 8,401 -2,298 0,030 -36,547 -2,071
Durante o mês passado, quantas horas de sono realmente você teve à noite? (isto pode ser diferente do número de horas que você permaneceu na cama). Insuficiente 0
Aceitável 3,464 3,494 0,992 0,330 -3,704 10,632
Suficiente -7,137 3,241 -2,202 0,036 -13,787 -0,487

B – Coeficiente; t – Estatística de teste; (*) Regressão linear múltipla com método de seleção de variáveis Backward; 0 – Categoria de referência; Significativo se p < 0,050.

Fonte: Elaboração própria.

 

DISCUSSÃO 

Um dos principais achados do presente estudo foi  a constatação de que houve impacto real de consumo de carboidratos simples e qualidade de sono. Esse impacto se dá devido ao fato de o consumo de carboidratos simples aumentar os níveis de adrenalina no sangue, impactando diretamente na produção de hormônios do sono. 

Uma dieta desregrada, com ingestão excessiva de carboidratos simples, alimentos processados (altamente açucarados e ricos em sódio) e pobre em nutrientes, também contribui para prejuízos na regulação do sono. Cabe salientar que os carboidratos, durante o processo de metabolização, transformam-se em sua maioria em glicose, fonte de energia celular que, em excesso, pode ocasionar complicações como resistência à insulina e, consequentemente, tornar-se fator de risco para o Diabetes Mellitus Tipo 2. Por sua vez, o alto consumo de carboidratos agrava os sintomas da Apneia Obstrutiva do Sono (AOS), distúrbio que diminui as horas e a qualidade do sono e gera, por consequência do aumento da gordura corporal, que enfraquece a musculatura respiratória, roncos até interrupções inspiratórias (Guimarães e colaboradores, 2019).

Algumas evidências apontam que a privação de sono parece aumentar não somente o apetite, como também a preferência por alimentos mais calóricos (Taheri e colaboradores. 2004). Um experimento mostrou que o apetite por nutrientes que continham alta quantidade de carboidratos, incluindo doces, biscoitos salgados e tubérculos, aumentou de 33 para 45%, mas o apetite por frutas, vegetais e alimentos com alta quantidade de proteínas foi pouco afetado (Crispim e colaboradores, 2007).

Em relação à circunferência de cintura e percentual de gordura, foi verificado que quanto mais altos  esses índices, mais intermitentes foram as condições de sono dos indivíduos. A condição de sono insuficiente coincidiu com maior média de percentagem de gordura (31,9 %; ±DP 10,7 %). Em um experimento realizado por Crispim e colaboradores (2007), a privação de sono em homens foi associada a um aumento de 28% nos níveis da grelina, diminuição de 18% nos níveis de leptina e aumento de 24% na fome e de 23% no apetite. A figura 3 demonstra como a privação do sono pode alterar o padrão da leptina e da grelina e o balanço energético.

Figura 3: Mecanismo pelo qual o débito de sono pode levar à obesidade

 

 

Em humanos, a circulação da leptina sanguínea é reflexo das mudanças agudas no balanço energético resultantes do aumento ou diminuição da ingestão calórica. O jejum ou a perda de massa corporal resultam em baixos níveis de leptina no sangue que, por sua vez, gera um aumento na expressão do NPY hipotalâmico, levando à estimulação da ingestão alimentar  (Kershaw e Flier, 2004). Trabalhos recentes em animais têm demonstrado que a leptina pode participar da regulação do sono, diminuindo sistematicamente o sono REM (rapid eye movement sleep) e estimulando profundamente o não REM (NREM) (Sinton e colaboradores, 1999). 

Os resultados do presente estudo mostraram que os indivíduos que treinavam pelo menos 5 vezes por semana relataram sono contínuo durante a noite, sem interrupções diversas, como ir ao banheiro ou ter pesadelos. Pelo estudo, quem treina mais de 5 vezes por semana tem 84,8% menos chances de apresentar uma frequência mais alta de despertamento no meio da noite ou madrugada em comparação a quem não treina toda semana.

 A restrição do sono tem um efeito negativo nas funções neuroendócrinas e imunológicas. Alguns processos metabólicos e imunológicos ocorrem durante determinadas fases do sono, portanto existe uma relação entre a recuperação fisiológica durante o sono e a capacidade para o atleta treinar no seu nível máximo e com ótimos resultados (Soares, 2011).

O hormônio de crescimento – GH (um hormônio anabólico e ao mesmo tempo com potencial restaurador) – pode ser um componente do fator intensidade do sono NREM. Vários estudos confirmam a ideia de que o exercício físico faz aumentar a liberação do hormônio de crescimento durante o sono (Crispim e colaboradores, 2007). Outra observação feita por esses autores é que o hormônio do crescimento liberado durante o sono é mais elevado após o exercício.

Outro fator importante do estudo foi que quanto mais velho o indivíduo, maior a chance de um sono com alta frequência de interrupções. O estudo revelou que indivíduos a partir dos 41 anos relataram a frequência de despertamento ser relativamente mais alta do que indivíduos com menor idade. 

A ontogenia da produção de melatonina humana foi bem estudada e a melatonina pineal foi encontrada em bebês a termo de 3 a 4 meses de idade, atingindo seu pico em crianças pré-púberes, reduzindo após a puberdade e atingindo o nível em adultos jovens. Após 25 anos de idade, segundo alguns pesquisadores, e após 40 anos, segundo outros, a produção de melatonina pineal diminui para 60% do nível de adultos jovens. A partir daí, há um declínio contínuo de valores tão baixos quanto 20% do nível de jovens adultos em pessoas com até 90 anos de idade. É importante notar que a produção de melatonina pineal é sempre maior em mulheres de todas as idades após a puberdade (Cipolla-Neto  e Amaral, 2018).

Foi verificado também que os indivíduos que relataram ter a duração de sono suficiente, de acordo com a Escala de Pittsburgh, reduzem o percentual de gordura em 7,1% em relação a quem tem sono insuficiente. Crispim e colaboradores (2007) fazem uma análise em que relatam que a alteração dos níveis da leptina e da grelina é considerada um importante mecanismo capaz de alterar o padrão da ingestão alimentar e levar a desajustes nutricionais. Em seu estudo descreve que a ritmicidade e o sincronismo na secreção da leptina e grelina são importantes para o padrão diário das refeições. Estudos indicam que um padrão rítmico recíproco entre a leptina e a grelina estabelece a ritmicidade no sistema neuropeptídeo Y (NPY), que é o caminho final comum para a expressão do apetite no hipotálamo. Segundo o artigo, a leptina inibe tanto a secreção de grelina quanto o estímulo de alimentação por esta, indicando que a leptina desempenha o papel de comunicação de realimentação entre a periferia e o hipotálamo para a homeostase da massa corporal.

A quantidade de treinos por semana apresentou relação com o despertar ou acordar de madrugada nesta pesquisa. O estudo revelou que quem treina mais de 5 vezes por semana tem 84,8% menos chances de apresentar uma frequência mais alta de despertamento no meio da noite ou madrugada em comparação a quem não treina toda semana.  

Uma série de variações do padrão do sono pode ocorrer após o exercício físico, que pode ser concordante com a ideia de que o sono é restaurador. Essas variações incluem: aumento da duração do sono, diminuição do período de latência, diminuição dos movimentos durante o sono, aumento da fase de ondas lentas, diminuição do sono REM e um atraso em relação ao aparecimento do sono REM (Soares, 2011).

 

CONCLUSÃO

Por meio deste estudo, foi possível observar que o encurtamento do tempo de sono, cada vez mais comum na sociedade, é um fator preocupante que impacta diretamente na composição corporal  das pessoas. Esse encurtamento de tempo de sono ou a má qualidade desse sono, com episódios de acordamento frequentes, pode modificar o padrão endócrino que sinaliza tanto a fome quanto a saciedade por meio da diminuição dos níveis da leptina e aumento nos níveis da grelina, e até mesmo alterar as escolhas alimentares. Consequentemente, a alteração do padrão de sono pode levar ao aumento da circunferência de cintura e do percentual de gordura. Dessa forma, um tempo adequado de sono parece ser essencial para a manutenção do estado nutricional e deve ser estimulado por profissionais da saúde.

Outra conclusão interessante é de que manter a frequência de atividade física faz bem para a qualidade do sono, diminuindo os episódios de despertamento. 

Uma forma de melhorar a qualidade do sono é colocando em prática a crononutrição, adequando o consumo alimentar ao ciclo circadiano. 

Alimentar-se em sincronia com a natureza é uma forma sábia de viver mais e melhor.

 

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Informações sobre o trabalho

Vanessa Zani Coutinho

Nutrição – UNISALES

Contato: nutricionistavanessazani@gmail.com

 

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